Por Andrés Borthagaray
Em plena expansão, o sistema Uber chega agora à Argentina e, como sempre, traz consigo o debate polêmico sobre as formas de regulamentação, oportunidades de trabalho versus sistemas tradicionais de táxi. Neste artigo do diretor do IVM América Latina, se discutem as implicações destes novos modelos de transporte na mobilidade urbana.
Buenos Aires não é exceção à regra. O Uber também fez eclodir no Rio da Prata uma batalha de narrativas com vários entreveros. A novidade tem despertado reações de rejeição entre taxistas e opiniões diversas entre analistas e opinião pública. As autoridades devem arbitrar entre pressões conflitantes de uma companhia com modelo de negócios disruptivo, prestadores de serviços e usuários. E levanta os questionamentos: Uber sim, Uber não e Uber como?
A princípio, é atraente para muitos usuários. O perfil tecnológico, saber de antemão preço, não ter que pagar em dinheiro ou ter problemas com o troco, a possibilidade de usar um carregador de telefone celular ou tomar água mineral, e a novidade de uma multinacional dando respaldo e suporte a uma transação tipicamente local. Também é atraente para quem possui veículo e está à procura de trabalho. É uma mostra de como está mudando a forma de organizar e gerir a mobilidade, mas também de como cada sociedade é capaz de conduzir essa transição. Este ponto é onde governos nacionais e locais devem considerar um conjunto de argumentos que incluem defesa de interesses e respeito por uma lei igual para todos.
O problema parece um dilema simples, mas, na verdade, tem vários níveis. O serviço oferece um ponto de encontro entre aqueles que demandam e os que prestam um serviço para ir de um lado para o outro. Porém, existe diferença entre negociação estritamente entre partes privadas e a oferta de serviços públicos de transporte, para os quais existe regulamentação. Por outro lado, esse modelo de negócio funciona, em parte, baseado em um sistema de relações de trabalho onde o prestador de serviços está em situação precária. A princípio, isso não impede a oferta de serviço confiável ao usuário, criando oportunidades de emprego. Contudo, esse tipo de relação de trabalho está sob julgamento nos Estados Unidos, para o qual existe um acordo de princípios. Além disso, na maioria das cidades onde este sistema chegou houve disputa acirrada com prestadores de serviços, governos locais e os táxis oficiais, em defesa das regras existentes. Especialmente na Europa, onde a justiça impôs limites. Em Frankfurt, o Uber não pode exercer algumas de suas formas e, em Paris, não é permitido andar à procura de passageiros. E mesmo que tenha havido progresso em termos relativos, com menos conflitos, existem iniciativas para intensificar a regulação (por exemplo, em Londres).
Preços de acordo com o contexto competitivo – Em teoria, o Uber beneficia o usuário, oferecendo um novo serviço com preço inferior. Isto é verdadeiro para certos tipos de viagens. No entanto, globalmente, os preços não são necessariamente mais baratos, de acordo com estudo internacional publicado pela “Economist Intelligence Unit”. Além disso, o modelo tarifário é totalmente sensível à oferta existente. Quando há greve de taxistas, por exemplo, as taxas costumam aumentar significativamente. Quando a posição não é dominante, os usuários ficam menos expostos. Ainda mais importante é a questão de saber se o motorista é profissional ou não (de acordo com o modelo de negócio em cada cidade e que é exigido pelas autoridades locais).
Se for uma escolha entre várias, sujeitas aos regulamentos e regras específicas, e sem distorção da concorrência, uma cidade pode ter melhor oferta. Se eles quebram as regras para favorecer uma empresa global que tem uma avaliação estimada em mais de US$ 50 bilhões, o resultado pode vir a ter efeitos indesejáveis e difíceis de mudar.
A expansão meteórica – O tom da luta tem lugar no contexto de expansão agressiva dos negócios. Às vezes você pode jogar duro. Para remover os obstáculos, um dos executivos da empresa se pronunciou nos Estados Unidos por conta de uma investigação “nixoniana” feita por jornalistas que ousaram escrever notas críticas. A empresa então se distanciou para não se envolver em uma ampla discussão pública.
Como o Uber é uma empresa global, vale a pena rever seus antecedentes. Lançada há seis anos, a empresa conseguiu reunir um conjunto de motoristas em um primeiro grupo de cidades, para se tornar um “Unicórnio Tech” com bilhões de dólares de capital.
Por um lado, significa a alteração de modelo muito tradicional, tais como os serviços de táxi. Embora existam empresas de rádio-táxis há muito tempo e vários aplicativos para dispositivos móveis, a chegada de um serviço sob demanda e com economia é porta de acesso que partiu de um projeto do Vale do Silício, aparentemente, mudando as regras. Ou seria rompendo?
E levantando a discussão, seria uma luta entre o futuro e códigos da rua, onde o passageiro perde se os governos não respeitarem as regras antes da chegada da inovação virtual.
Os fundamentos de stocks em 9 casos – Do outro lado, a crítica considera que boa condição financeira e uso do celular são suficientes para alterar regras e regulamentos existentes, quebrando um grande negócio. Eles são simplificações de argumentos, mas, em parte, têm se refletido em batalhas legais em todo o mundo. Em geral, em interpretações na Europa, onde o serviço tem sido mais restritivo. Diferente do mundo anglo-saxão, que, apesar das disputas, está mais aberto.
A revisão de nove casos foi analisada pelo The Huffington Post, por meio de seus correspondentes em diferentes países, fornecendo visão geral das diferentes reações a essas ofertas. Na Alemanha, um tribunal considerou ilegal o Uber Pop porque os motoristas não satisfaziam os requisitos exigidos no país. No Brasil, embora tenha tido boa aceitação entre usuários, no início de 2015, por motivos que incluem promoções e meios de pagamento diversificados, a resistência nas grandes cidades continua ativa, com taxistas pedindo regras e taxas iguais para todos. No Canadá, ele avançou rapidamente, mas várias cidades têm levado para os tribunais regras iguais, especialmente do Uber X, que exige um serviço de transporte com licença profissional. A China também registrou crescimento rápido, com os conflitos habituais e da concorrência com uma empresa local, a Didi Kuaidi. Na Coréia do Sul existe uma forma de serviço (Uber X), que, desde 2013, transformou as opções dos carros, incluindo um conjunto de desenvolvimentos locais. No entanto, há também uma grande batalha jurídica, especialmente do Uber X. Na Espanha aconteceu, em maio de 2014, nas cidades de Barcelona e Madrid, grande reação dos motoristas de táxi, que acabou no tribunal e levou à suspensão arbitral do Tribunal de Justiça Europeu. Enquanto isso, foi inventado o Uber Eats, variante do serviço com um conjunto de restaurantes para entrega ultra-rápida. Nos Estados Unidos, ele experimentou crescimento meteórico em sua cidade natal, São Francisco. Também houve conflitos em Portland e Los Angeles, com pedidos de questões de igualdade de trabalho, desafios à falta de acesso para deficientes, mas tudo no contexto de uma grande expansão. A Índia também constatou enorme crescimento, em parte, porque o serviço de táxi tradicional era menos desenvolvido no país. No entanto, surgiu um forte concorrente local, a Ola, e outra reação gerada por uma grande violação de uma passageira em uma companhia de Nova Déli. Agora, os requisitos são mais parecidos com os de um táxi formal. No Japão, o serviço começou em dezembro de 2014, com grande dificuldade de entrada, em parte, devido à existência de serviço de táxis altamente desenvolvido (quase quatro vezes mais licenças em Tóquio do que em Nova York) e, parcialmente, pela rápida reação com aplicações tecnológicas entre empresas de táxi e internet.
Na América Latina, em países onde existe um sistema menos formal de táxis, houve maior facilidade de entrada. Na cidade de Lima, no Peru, em tempos de Fujimori, foi a oferta totalmente livre de táxis que ganhou destaque. É verdade que não existia o sistema de controles internos em discussão, mas o resultado da liberação total foi negativo. Mesmo no Chile, com barreiras comerciais particularmente baixas, algumas dúvidas se propagam. No periódico chileno El Mercurio, do dia 9 de abril, passou-se, a partir de um conjunto de depoimentos positivos de alguns promotores dos motoristas de táxi, a questionar o tipo de relações de trabalho precárias em que parte do modelo é baseado. Na Cidade do México houve suspensão por alguns dias para emergência ambiental, gerando conflito econômico com o governo local.
Futuro para recursos compartilhados – Uma questão mais ampla sobre o quadro regulamentar que leva a diferentes tipos de práticas de deslocamento se refere ao compartilhamento ou não dos recursos. Devemos analisar qual visão de sistema de mobilidade entra nessas modalidades. Em todo o mundo, onde se enfrentam congestionamentos muito elevados em áreas urbanas, ele abre um caminho para soluções compartilhadas. Às vezes pensamos em obras muito caras com expectativa da economia de tempo – desmentida na prática, ao tentar seguir a demanda por espaço para os carros – e se evita o verdadeiro objetivo: proporcionar acesso bom e equitativo a todos os cidadãos aos postos de trabalho, educação, saúde, serviços públicos e oportunidades da cidade; com interação social e qualidade do espaço público urbano.
Trocar mais viagens em veículos individuais por mais viagens no transporte público, veículos compartilhados e mobilidade ativa. Para que isso seja socialmente aceitável, a qualidade é muito importante. Se essas soluções forem substituindo opções individuais, com acessibilidade igualitária e de qualidade, liberando espaço em estacionamentos, reduzindo emissões e o uso de recursos. A questão é se a transição é de viagens individuais a mais compartilhadas de formas diferentes, ou se a alteração será apenas em algumas viagens regulamentadas por outras menos reguladas, como em uma simples expansão de negócio, às vezes, individualmente muito atraente, mas sem levar em conta questões do interesse público geral.
Uma atualização desses estudos foi realizada por José Viegas, como contribuição para o Fórum de Transporte Internacional da OCDE. Nesse estudo foi exposto um modelo de simulações em uma cidade real (Lisboa), com configurações que incluem carros compartilhados, táxis e táxis-ônibus para até 12 pessoas, além de trens e bondes. Uma evolução do quadro regulamentar para manter a validade dos objetivos, mas que seja capaz de adaptar-se às possibilidades de tempo real, os mecanismos de auto-regulação, aparece no horizonte.
Inovar dentro da lei – No entanto, a questão é como a transição é tratada. E a resposta depende muito de como as instituições e serviços existentes trabalham em uma cidade. Claro que há muito espaço para melhorar e evoluir. Os regulamentos devem incorporar ferramentas adequadas para as novas tecnologias, em alguns casos, com menos intervenção pública e maior controle social. É verdade que há várias questões em que a lei é violada. O fato também é que há muito a melhorar e aprender com o que os usuários estão procurando e alternativas que não estão presentes hoje. Porém, enquanto essas alterações forem feitas, as inovações devem estar em conformidade com as normas vigentes.
*Artigo publicado originalmente em Bastion Digital
** Andrés Borthagaray é diretor do IVM para a América Latina