Sobre “A cor das ideias”, por Michel Lussault

Os não-lugares são definidos pelo antropólogo Marc Augé (1992), a quem a paternidade do termo é comumente atribuída, como espaços funcionais nascidos da globalização, padronizados e desumanizados, levando a uma ruptura com lugares “antropológicos” como o foco. Estações, aeroportos, shoppings, todos operando no mesmo modelo. Essa crítica aos espaços produzidos pela padronização do mundo permanece relevante. Assim, em 2016, Jean-Christophe Gay mostra como aeroportos, espaços de celebração e manifestação,  facilmente acessíveis na década de 1960, tornaram-se “símbolos de desumanização e fragmentação”.

É de certa forma como resposta a essa abordagem crítica dos lugares da globalização, ou produzidos pela globalização, que Michel Lussault teorizou “hiperlugares”. Alguns desses lugares, como as galerias dos maiores shoppings, esses shoppings projetados no modelo norte-americano, são para ele concentrados da globalização cuja intensidade de interações sociais os torna “hiperlugares”, lugares onde o espaço é exacerbado e onde todas as escalas da experiência humana, do global ao local, convergem. Enquanto os não-lugares seriam todos semelhantes, os hiperlugares se distinguiriam uns dos outros por seu alto grau de “universalidade/ globalidade” (categoria social, decorrente da globalização).

 

NÃO-LUGAR E HIPER-LUGAR

 

Não-lugares e hiperlugares se referem à mesma observação pós-moderna (Marc Augé escreve “supermoderno”) do questionamento do lugar, não pela abolição de distâncias, porque o espaço euclidiano continua resistindo à mobilidade de grande parte humanos, mas pela irrupção, no local, de outras escalas que estão sendo amplificadas, alteradas. 

Se o lugar é o espaço em que a distância é mínima, o que o lugar contém, por sua vez,  pode ter percorrido grandes distâncias: entre as pessoas que se juntam em um hiper-lugar, nenhuma delas é “dali”, “do lugar”.

A hiper-lugar, o evento-lugar, a alter-situação, a contrariedade, a neolocalidade permitem, segundo o autor “entrar na compreensão de um processo fascinante: o poder dos fenômenos de localização em um mundo que muitos analistas às pressas vêem como suave, plano, fluido … enquanto que é áspero das múltiplas projeções constituídas por diferentes tipos de lugares “(p.279). Sem surpresa, o geógrafo defende uma abordagem espaço-reticular para esses fenômenos emergentes: “A única coisa que nos permite reforçar um coletivo é ter que, todos os dias,  compartilhar espaços de convivência. Deste modo, o que caracterizaria as sociedades não é um “estar juntos” essencial que expressaria uma natureza social e política […], mas um “fazer-junto/ fazer com”, um pragmatismo vinculado à necessidade de organizar espacialmente a viabilidade da sociedade, de  “reter” temporariamente combinações de seres humanos, não-humanos, materiais, ideias, afetos, corpos e carne, sons e luzes “(p.281).

 

MAS QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS CONSTITUTIVOS DESSES HIPERLUGARES?

 

Eu defini cinco critérios. O primeiro é o agrupamento de atividades e, principalmente, a intensidade desse agrupamento. Na Praça Taksim, em Istambul, não existe toda a população turca agrupada, mas há uma intensidade de interação entre todos que ali estão. Um hiper-lugar é um lugar intenso. Segundo critério: hiperespacialidade. Hiperlugares são lugares nos quais que indivíduos e objetos montados provavelmente sempre estarão conectados a outros através de redes móveis e de telecomunicações: Times Square é um exemplo seminal disso.

Terceiro critério, mais estranho para um geógrafo: hiperescalaridade. Esses lugares atuam em todas as escalas ao mesmo tempo, devido a essa tensão entre o global e o local. Torna-se difícil encontrar um tamanho para definir um hiperlocal. É por isso que um indivíduo pode se tornar um hiper-lugar; o mundo também pode se tornar um hiper-lugar. É uma questão de regime de espacialidade. Quarto critério: um hiper-lugar é um espaço de experiências compartilhadas. A leitura de Jean-Marie Schaeffer me ajudou a formular essa evolução experiencial do social. E quinto critério: são lugares de afinidade. Existe uma familiaridade com os outros, porque estamos lá embaixo para a mesma coisa. Era importante para mim insistir nesse ponto para poder re-politizar alguns lugares que não são. Por exemplo, há muita condescendência em relação aos locais de comércio como afinidade; mas é um. Ele pode estar construindo uma sociedade política através dessa afinidade.

 

MICHEL LUSSAULT, HYPER-LIEUX. LES NOUVELLES GÉOGRAPHIES DE LA MONDIALISATION

Paris, Éd. Le Seuil, coll. La Couleur des idées, 2017, 320 pages

Jean-Charles Chabanne

PUN – Editions universitaires de Lorraine | « Questions de communication 

2018/2 n° 34 | pages 364 à 366

ISSN 1633-5961

 

 

REFERÊNCIAS

    Marc Augé, 1992, Não lugar: Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade. Limiar.

    Marc Augé, 2010, “Retorno aos” não lugares “, as transformações da paisagem urbana”, em Comunicação n ° 87, 2010 | 2 “em torno do local”.

    Jean-Christophe Gay, 2016, O homem e os limites, Economica, coll. “Anthropos”.