Dispositivos ajustados às circunstâncias

NOVAS FORMAS DE NEGOCIAÇÃO, PARA DISPOSITIVOS DIFERENTES

 

Os hiperlugares móveis surgem como espaços ampliados, capazes de oferecer serviços ou oportunidades de ação on demand, por meio de fornecedores móveis e conectados. Uma das formas para entendermos esse fenômeno consiste em concebê-los como colagens heterogêneas e entendê-los como processos, nascidos a partir do conjunto de atividades necessárias para sua consistência e duração.

Montar uma prestação de serviços qualquer, por demanda, em um lugar determinado, pressupõe que em primeiro lugar se possa negociar uma “residência” temporária, que permita superar as restrições institucionais e locais (ou seja, a lista de direitos e deveres que fazem com que algo possa se instalar em algum lugar). Quanto mais simples e “leve” for determinado sistema, mais fácil será acomodar-se às diferentes exigências e demandas de uns e outros, que constituem o tecido normativo de um lugar qualquer: um triciclo de entrega ou um ônibus autônomo são coisas muito diferentes.

Em segundo lugar, o serviço em si, e os veículos móveis que lhe servem de suporte, devem ser preparados para que possam se adaptar ao lugar, aos diferentes momentos e à duração do projeto.

Finalmente, quanto menos regular ou periódico for o serviço móvel oferecido por determinado hiperlugar, mais ele será baseado na conectividade entre seus diferentes componentes, em particular entre a oferta do serviço móvel e os potenciais usuários / moradores / transeuntes. Esta conexão, que é cada vez mais digital, implica, é claro, em relações interpessoais: a característica principal dos hiperlugares é muito mais a oferta de encontros que se baseiam em um grau variável de conhecimento mútuo, do que em um lugar de passagem, anônimo.         

 

O RISCO DAS NOVAS EXCLUSÕES

 

Conceber os hiperlugares móveis significa, também, expor o trabalho necessário para mantê-los conectados. Um hiperlugar requer infraestrutura específica de manutenção e reparo (especialmente porque eles precisam de equipes dedicadas em capacidade de atendimento e mobilidade), em geral proporcionais ao seu tamanho e sua sofisticação tecnológica. Estas estruturas são, em geral, invisíveis: não aparecem nas peças promocionais que existem para mostrar usuários “consumindo” determinado hiperlugar.

Finalmente, este enfoque conduz a um novo ponto de vista sobre as questões relacionadas à exclusão e a discriminação. Serviços móveis podem discriminar não somente quando se dirigem a setores ou grupos específicos (pelo tipo de serviço proposto, ou por formas de segregação espacial operando à sua volta, por exemplo), mas criam formas de excluir que são intrínsecas à maneira como foram montados e mantidos.

Um supermercado automatizado, contido em um veículo autônomo e que se desloca de acordo com a demanda, acabará excluindo aqueles usuários que não tiverem smartphones ou aplicativos que lhe permitam localizar o serviço, identificar os  produtos e pagar.

 

CHRISTIAN LICOPPE

Traduzido do texto original. Christian Licoppe trabalha na Telecom ParisTech e é sociólogo na área de comunicação