Com um “sim” dito em alto e bom som, o secretário municipal de Obras Roberto Garibe deu, nesta terça-feira (17), o apoio da Prefeitura de São Paulo à proposta de incluir um plano de microacessibilidade e intervenções locais ao programa de obras viárias do futuro Terminal de Ônibus do Jardim Ângela.
Um conjunto de pequenas intervenções, a partir de pesquisas com os moradores da região, foi apresentado à Prefeitura e ao público em geral pelos participantes do Seminário Internacional Jardim Ângela, promovido pelo Instituto Cidade em Movimento (IVM).
Durante três dias, o IVM reuniu em São Paulo cerca de 20 arquitetos e urbanistas brasileiros, franceses e espanhóis para debater o tema. O seminário terminou nesta terça (17) na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Os especialistas avaliaram os resultados de várias pesquisas de campo e ofereceram propostas para integrar o megaprojeto do Corredor de Ônibus (BRT) M’Boi Mirim ao tecido urbano do Jardim Ângela, Jardim Nakamura, Morro do Índio e outros bairros do extremo Sul/Sudoeste paulistano.
O seminário está em linha com a filosofia do IVM Internacional de analisar criticamente os impactos urbanos das grandes obras de infraestrutura de transporte e mobilidade, tanto em São Paulo quanto em cidades como Toronto (Canadá), Xangai (China), Santiago (Chile), Tours (França) ou Barcelona (Espanha).
O desafio foi responder às questões urbanísticas suscitadas pelo projeto do futuro terminal de 74 mil m² do Jardim Ângela, mais um corredor exclusivo de ônibus para escoar 240 mil passageiros/dia no eixo da Estrada de M’Boi Mirim.
O projeto, que corta alguns dos bairros mais precários da periferia paulistana, está em fase de revisão e deverá ser reapresentado no primeiro trimestre de 2016, segundo a Prefeitura, a um custo total de R$ 600 milhões.
“O que fazer para que o terminal não se transforme num disco voador de 70 mil m²?” “Como impedir que ele acabe sendo apenas mais uma grande garagem de ônibus?” “Como evitar que as obras acrescentem mais esforço físico, mais perda de tempo e mais perigos aos moradores?” – foram algumas das perguntas levantadas por Luiza de Andrada e Silva, diretora do IVM no Brasil.
O cerne do debate entre os especialistas do IVM e os técnicos da Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras da Prefeitura foi como evitar que a lógica dos grandes projetos do Poder Público seja imposta autoritariamente aos moradores dos bairros afetados.
“Temos de insistir na questão da inversão entre essas duas escalas (os megaprojetos versus o conjunto de pequenas intervenções locais)”, disse o arquiteto francês Pascal Amphoux, da Escola Nacional Superior de Arquitetura de Nantes. “Essa inversão tem de ser feita durante o projeto da grande obra e ser sempre atualizado”.
A escala da microacessibilidade, ou das pequenas ações urbanísticas, deve ser constituída por meio de consulta periódica aos anseios das populações locais, devidamente interpretados pelos arquitetos e especialistas, e submetida a uma metodologia de trabalho que não tarde em transformar a demanda em realidade.
Podem ser obras simples, como iluminação e conservação de ruas e praças e semáforos de pedestres inteligentes, ou iniciativas de alto poder simbólico, como ações de grafitagem e ajardinamento, ou a construção de patamares para amenizar a subida nas escadarias do bairro.
“São símbolos, ou respiros, São espaços intermediários, oportunidades de olhares distintos para enriquecer o projeto da grande obra. Convido a todos a correr o risco de uma pequena experiência e sugerir a invenção das pessoas”, completou o arquiteto francês.
ESTRADA OU RUA?
Carles Llop, da Universidade Politécnica da Catalunha e também consultor do IVM, seguiu na mesma linha. Disse que as cidades são essencialmente “praças e ruas” e sublinhou a obviedade de que “uma estrada não é uma rua” para realçar o fato de as obras de mobilidade urbana devem ser capazes de criar “espaços relacionados” com os bairros.
Foi uma referência aos 16 km da Estrada de M’Boi Mirim, que corta 50 bairros e é o eixo das obras do atual Corredor de BRT da Prefeitura na Zona Sul paulistana.
O arquiteto catalão não vê antagonismo entre a megaobra e o programa de microacessibilidades. Disse que o Poder Público deve, sim, priorizar o grande transporte, pois este aumenta a renda da comunidade e, portanto, o “salário social” das populações beneficiadas.
Mas ressaltou a importância de um “sistema capilar” que permita às pessoas chegar às paradas de ônibus do Corredor, inclusive usando o transporte informal, e facilite o trânsito local de veículos dentro dos bairros.
Falou de uma “escala intermediária” de projetos que permita a formação de um “tecido urbano” integrando os corredores e os bairros, por meio de uma “infraestrutura multimodal” e de um conjunto de “entrelaçamentos” entre a grande obra de mobilidade e as regiões em torno.
Lembrou que a escala da micromobilidade não é apenas para os pedestres, mas também para o trânsito local dos carros particulares, dos táxis e das motos.
Segundo ele, o investimento necessário à agenda da “escala intermediária” é pequeno, em relação ao projeto principal, e melhora substancialmente a qualidade de vida e a autoestima dos moradores, dando-lhes a percepção de que também participam das grandes obras.
Citou como exemplos os preparativos para a Olimpíada de Barcelona, em 1992, “um investimento que gerou uma explosão de microprojetos”, e a restauração da catedral de Santa Maria de Vitoria, no País Basco (Espanha), cujos cartazes diziam: “aberta por obras”.
QUESTÃO DE MÉTODO
O secretário de Obras de São Paulo, Roberto Garibe, não minimizou as dificuldades do Poder Público de tornar os grandes projetos mais permeáveis às propostas das comunidades locais. “Somos uma máquina devoradora de ideias”.
Reconheceu também que “a política tende a definir espaços muito estanques” na gestão das obras e que a integração entre secretarias de órgãos da própria Prefeitura por vezes é difícil.
E pediu aos especialistas que ajudem o Executivo a encontrar o melhor método para institucionalizar o intercâmbio entre as populações locais, os especialistas da universidade, os técnicos da ONGs e as equipes da Prefeitura. “Estamos totalmente abertos à permeabilidade”.
Ao final, os participantes do seminário concordaram em celebrar um convênio para um projeto-piloto de integração entre as duas escalas do programa de mobilidade do Jardim Ângela.
Segundo o professor Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, nesse convênio deverão constar os procedimentos de consulta às populações locais, os critérios de eleição dos interlocutores e a definição das equipes multidisciplinares.
“O pano de fundo é a metodologia empregada. Nas ONGs, temos a energia; nas universidades, temos as metodologias; e o Poder Público tem os projetos. Precisamos apenas pegar as rebarbas do orçamento e começar a desenhar a cidade”, concluiu.