Respeito e ação propositiva geram cidades mais seguras para pedestres

Em recente levantamento, o portal G1 publicou matéria sobre as vias públicas da cidade de São Paulo citando os locais com mais mortes de pedestres por atropelamento. A reportagem comenta sobre o sistema de tempos dos semáforos: quanto é reservado à circulação de carros e quanto à travessia de pedestres. Por exemplo, o ponto onde houve mais acidentes fatais, a Avenida Cruzeiro do Sul (Zona Norte), possui três estações de metrô próximas e grande fluxo de pessoas. No entanto, a média de espera para abertura do farol aos pedestres é de cinco minutos e o tempo para travessia de apenas 25 segundos. Ou seja, na Avenida Cruzeiro do Sul os sinais estão programados para dar um tempo 13 vezes maior à circulação de carros do que para quem está a pé. Vale levar em conta que é uma avenida larga – a situação fica ainda mais agravante para aqueles com mobilidade reduzida, por exemplo.

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Além de pouco tempo, por vezes não coordenados. Fonte: Vivian Reis, G1

 

Na zona leste, um dos trechos da Avenida M´Boi Mirim, estudada pelo Instituto Cidade em Movimento no projeto Passagens Jardim Ângela, a equipe do IVM pôde verificar semáforos de pedestres com a duração de apenas três segundos. Assim como a falta de calçamento de qualidade, iluminação e segurança, a lógica dos semáforos configura mais um indicador de que a dimensão do pedestre não é prioritária nas políticas públicas da cidade. Os pedestres são os mais vulneráveis na escala da mobilidade urbana, mas também a opção mais sustentável.

O transporte que melhor andaPara Valter Caldana, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e conselheiro do IVM, esse tipo de problema pode até ser um erro de programação, que precisa ser corrigido, mas a reincidência e os resultados disso são o maior problema. “Isso é uma grande questão conceitual. Toda a lógica da cidade é pensada na eficiência do transporte individual, do trânsito, e não no pedestre ou no transporte leve ou coletivo. Nos últimos 40 anos, a cidade foi espremendo seus modais e hoje o automóvel é o tipo de transporte que melhor ‘anda’ em São Paulo (e em outras grandes cidades). O que deve ser feito é inverter essa lógica, mas é difícil”, afirma.

Segundo ele, essa mudança passa por programação; a locomoção e a mobilidade não são apenas nas ruas, mas também nas calçadas, que devem ser mais largas, seguras e de qualidade. “Esses dados devem ser usados para pressionar o Poder Público e legitimar ações da sociedade para criar ações que mudem paradigmas”, defende o professor.

No Brasil ou ao redor do mundo, a participação da sociedade pode enriquecer o debate e medidas que visam a segurança estão em alta, como a diminuição de velocidade (que São Paulo adotou), implantação de melhores calçadas e novos desenhos para as cidades. “Deve-se criar condições e convencer as pessoas a andar mais a pé. A cidade precisa ser mais lenta e as pessoas precisam redescobrir o prazer de conhecer onde moram. Nesse pacote, deve constar segurança, conforto, qualidade de vida e tempo para que a mudança aconteça. A sociedade, por meio suas entidades representativas, tem legitimidade para promover isso, que passa necessariamente por mudanças de consciência de todos os envolvidos”, resume Caldana.

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Pedestres se arriscando a atravessar na Av. Cruzeiro do Sul. Fonte: Vivian Reis, G1

Debates e soluções – Marcos Sousa, diretor de Conteúdo do portal Mobilize, também defende a participação da população na mudança de paradigmas e na tarefa de exercer a pressão para que autoridades tomem providências. O Mobilize é o primeiro portal brasileiro de conteúdo exclusivo sobre mobilidade urbana sustentável e que tem como um dos seus objetivos fomentar o debate público sobre a temática.

Para o diretor, da mesma forma que defende Caldana, a cidade precisa ser “mais lenta”. Marcos Sousa cita o exemplo de Curitiba que tem as “ruas calmas” com velocidade reduzida de carros e mais tempo de travessia para pedestres, entre outros privilégios a quem anda a pé ou sobre transporte leve. Sousa cita como exemplo de ação efetiva que a sociedade pode gerar, a campanha que o Mobilize promoveu entre 2014 e 2015, denominada Sinalize. A ideia era mostrar como as cidades não pensam no pedestre: um estudo para ação constatou que 90% das placas de sinalização são para carros e motoristas, voltadas para o trânsito. Quase não existe sinalização para pedestres ou quem anda de bicicleta. Por outro lado, ao redor do mundo há exemplos contrários, como na Suíça – que tem até sinalização para quem anda de patins – e na Austrália.

Segundo ele, o pedestre não faz parte de estudos de sinalização no Brasil. “As autoridades deveriam ter com a população sem carro o mesmo cuidado que têm com a segurança e orientação dos motoristas. Isso não é privilégio das grandes cidades, pois em pequenos municípios brasileiros a situação é bem pior”, conta.

O Moblize está em vias de lançamento da Campanha Calçadas do Brasil 2016 que objetiva incentivar a caminhabilidade e fazer com que as cidades sejam mais amigas dos pedestres. “Nossa ideia, com essa nova fase (há poucos anos essa campanha foi feita somente para São Paulo), é avaliar as cidades e gerar documentos com recomendações e medidas que podem ser adotadas, notadamente em locais de grande circulação de pessoas, como terminais, hospitais, escolas.”, diz. E afirma também  que esses estudos são apresentados a prefeituras e podem ser colocados em prática, melhorando a relação pedestres e motoristas.

A voz do Poder Público – procurada pelo IVM, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) não aceitou dar entrevista e se limitou a enviar informes oficiais, segundo os quais há vários programas de segurança aos pedestres e que, na comparação de janeiro a dezembro de 2014 com o mesmo período de 2015, houve uma queda de 21,4% no número de mortes por acidentes.