Busona sem catracas
BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS
O movimento Tarifa Zero BH é um coletivo surgido a partir das manifestações de junho de 2013 em defesa do transporte como um direito social universal, gratuito no momento do uso. Ao propor a tarifa zero no transporte coletivo, buscamos afirmar que é possível uma outra lógica de mobilidade urbana, que se volte para as pessoas, e não para máquinas ou lucros. Assim, a tarifa zero é uma medida que busca romper com o círculo vicioso de aumento tarifário e redução do número de usuários de ônibus, com a injustiça no financiamento do sistema - que é regressivo na renda - e busca promover uma nova relação da população com o espaço urbano. Como movimento social autônomo e horizontal, buscamos simultaneamente pressionar a prefeitura por mudanças e realizar ações diretas, de vivência de uma nova realidade, que envolva a população em seu cotidiano. Assim, a partir dos recursos arrecadados com a venda de camisas, ofertamos - em 4 ocasiões distintas - um ônibus sem catracas, com acesso totalmente gratuito, chamado de "Busona sem catracas.", uma inversão de gênero, feminista e provocadora. Os ônibus eram contratados de empresas da cidade e ficavam à disposição do movimento por um horário determinado. Excetuando-se a função de motorista, todo o trajeto, divulgação e operação da atividade foram pensados de maneira coletiva e horizontal. Buscou-se a maior aproximação possível com linhas existentes na cidade para que o ônibus pudesse de fato proporcionar a experiência de uma vida sem catracas. Assim, durante os 4 dias de carnaval, a Busona percorreu mais de 25 blocos, ligando foliões e transeuntes a bairros distantes de BH. Na Marcha das vadias, a busona fez o trajeto do centro até a ocupação urbana Guarani-Kaiowá. O circuito das ocupações conectou a população das 4 ocupações urbanas mais recentes de BH. Por fim, no Dia Mundial Sem Carros, um dia útil, uma Busona simulou o trajeto da linha 33 - centro-barreiro, uma das regiões mais populosas e sem política de mobilidade na cidade.
Nosso principal objetivo com as intervenções urbanas que promovemos na cidade é mostrar para a população que uma outra forma de mobilidade urbana e de vivência é possível, mas que só será alcançada por meio de organização e luta. Ao fazer com que um ônibus gratuito pare nos pontos de ônibus regulares, rompemos com uma provocação o cotidiano muitas vezes monótono e opressor da rotina de trabalho de grande parte da população. Nessa ação direta, podemos discutir como é financiado o transporte público, quem está pagando e quem está se beneficiando com a crescente paralisia de nossas grandes cidades. A Busona sem catracas também busca demonstrar que uma nova lógica de oferta de ônibus pode romper com a lógica produtivista que historicamente tem pautado a política de transporte público nacional. Um ônibus cuja remuneração por serviço esteja desvinculada do número de passageiros transportados não precisa garantir a demanda da maneira como faz hoje. Assim, com o financiamento de toda a população e não apenas dos usuários, é possível garantir ônibus nas periferias e também nas madrugadas e finais de semana. A Busona sem Catracas inicia um diálogo com a população e a apresenta ao labirinto institucional que tem sido a política de mobilidade urbana brasileira, convidando-a a se engajar na luta por sua transformação. A vivência festiva de um espaço urbano outrora monótono mostra que é possível criar uma outra realidade cotidiana, e esse é nosso principal objetivo.
População usuária de ônibus de Belo Horizonte, em especial das recentes ocupações urbanas
A Busona sem Catracas foi uma ação direta, ainda pontual dada a complexidade e porte do sistema de transporte público que uma grande cidade requer. De qualquer forma, foi suficiente para despertar na população usuária a noção de que os aumentos tarifários não são naturais e de que é possível transformar a realidade. No ano de 2014, dois meses depois de nossa primeira iniciativa, houve a tentativa de aumento de tarifa por parte do poder municipal, o processo de mobilização da população e pressão junto ao ministério público fez com que este entrasse com um processo contra a prefeitura, exigindo a suspensão do aumento e a realização de uma verdadeira auditoria no sistema de ônibus da cidade. Durante um mês a liminar contra o aumento vigorou e o aumento foi barrado. Infelizmente, a liminar foi cassada em segunda instância, mas a pressão continua, com a ocupação da estrutura institucionalizada, como as comissões regionais de transporte e trânsito e o conselho municipal de mobilidade urbana. Aos poucos, a indignação contra as obras viárias e a gestão do transporte público vai se mostrando na cidade.
O público participa utilizando a Busona sem Catracas, debatendo com os integrantes do movimento e dando depoimentos. Além disso, apresentamos material do movimento e nosso projeto de lei de iniciativa popular, que está recolhendo 95 mil assinaturas para começar a tramitar na câmara dos vereadores. O projeto propõe uma alteração na Lei Orgânica do município, tornando o transporte gratuito no momento de sua utilização. Além disso, durante o trajeto das ocupações, a população habitante das ocupações urbanas trocou experiências de lutas e vivências.
Fevereiro de 2014