Arquiteto fala da importância das intervenções de pequena escala

Por vezes, passagens são vistas como meras ligações entre espaços urbanos, como um “lugar por onde se passa”. Porém, elas configuram muito além de uma articulação técnica. Para uma comunidade, são responsáveis por conectar vidas e podem gerar uma mobilidade de qualidade aos pedestres na cidade.

Robert de Paauw, arquiteto e professor de Arquitetura da Paisagem e Infraestrutura Verde da Escola da Cidade, de São Paulo, e sócio do escritório espanhol JDVDP, participa do projeto Passagens Jardim Ângela do IVM. Em uma entrevista, Robert analisa como intervenções de pequena escala podem alterar a realidade.

IVM – Para você, qual é a importância desses articuladores da mobilidade? 

Robert de Paauw – As passagens, como remanescentes de espaço “não edificado”, são as veias pelas quais circula o morador da comunidade. São lugares não só de passagem e conexão, mas também de encontro, socialização e até lazer de proximidade. São, portanto, lugares essenciais para o funcionamento do bairro.

IVM – É possível que intervenções de pequena escala melhorem ou possam servir de exemplo?

Robert de Paauw – Atuar nas passagens mediante ações de “acupuntura urbana”, mesmo sendo de pequena escala, definitivamente é um dos vetores com vocação de requalificação urbana de impacto. Seus reflexos são percebidos no âmbito do bairro e até a área de abrangência maior na região. Ter um novo olhar nesses espaços, por se aportar algo que ele nunca teve, é mais que simplesmente o fato de analisá-lo para extrair as potencialidades além de articulador de bairro. Passagens é a união entre pontos, conexões e relacionamentos. Quando uma dessas atuações passa da esfera de uma simples passagem e leva em conta questões como acessibilidade, conforto ambiental e drenagem geram qualidade ambiental urbana e, portanto, abrem os estímulos perceptuais e sensoriais de quem passa por ali.

Renova SP - Pirajussara 5

Renova SP – Pirajussara 5

 

IVM – Quais alternativas, do ponto de vista de sua especialidade em espaço urbano sustentável, vê nessas ações?

Robert de Paauw – As alternativas são múltiplas, principalmente nas áreas periféricas ou de urbanização mais precária. Na maior parte das vezes, as áreas livres são simplesmente “sobrantes” não edificadas, espaços mínimos de conexão ou passagens para se chegar nessas edificações. Ainda, esses lugares não reúnem as condições de qualidade ambiental que fariam essa passagem mais humana, ao contrário, em geral apresentam  muros fechados, degraus de diferentes alturas, patamares descompensados, “mergulho no concreto”, ausência de sombra, inexistência de bancos, terra escondida etc. Essa última condição é a que menos presença tem, tão necessária para plantar, ativar sistemas de drenagem sustentável, aliviar a temperatura nas ilhas de calor, as autênticas “janelas” para se ter uma relação com os elementos naturais. A mesma coisa acontece com córregos e a vontade de escondê-los, pois muitas vezes são esgotos a céu aberto. Seu resgate como córregos por meio de coleta de esgoto adequada é capaz de ativar espinhas dorsais fundamentais para que os bairros passem a ter condições de habitabilidade. Concluindo, a necessidade é de que o olhar seja desde a infraestrutura verde, na qual planejamento urbano, arquitetura, urbanismo, ciências ambientais, biologia, geografia e engenharia sanitária são fundamentais para atingir resultados reais e perceptíveis.

IVM – Concretamente, o que acredita que possa ser feito no território estudado (Jardim Ângela) para reverter essa situação de condições sub-humanas que acaba de citar?

Robert de Paauw – Não acho que a questão passe por reverter as condições. O desafio é trabalhar com o que já existe, o que está com grau de consolidação determinado, que tem memória histórica capaz de contar quais são as gerações que têm passado por ali. De forma geral – e errada -, a cidade é vista como a antítese da natureza, percebendo-se como um espaço inerte, inócuo e sem possibilidade de conter vida. Muito ao contrário, o entorno construído constitui autentico habitat para muitas espécies de fauna silvestre provenientes dos arredores menos construídos. Em muitos casos, não só são capazes de adaptar-se ao meio, mas desenvolvem capacidades de desenvolvimento ainda mais agudas  que no território originário delas. O ser humano deve ser capaz de detectar quais são as medidas necessárias que permitam melhorar as condições de vida com respeito à qualidade ambiental. Não só é necessária a infraestrutura de água, esgoto e eletricidade. Ativar o componente ecológico da vida urbana tendendo a consolidar a infraestrutura verde como vetor de um novo paradigma onde aparecem as condições de habitabilidade humanas fundamentais.

 

Projeto Renova SP - Água Vermelha 2

Projeto Renova SP – Água Vermelha 2

 

IVM – Como um bairro tão denso, com poucas calçadas e repleto de escadas pode ter mais sombra, por exemplo? Uma horta comunitária? Como preservar a água?

Robert de Paauw – A sombra é um dos objetivos indispensáveis a ser atingidos em um panorama onde a impermeabilização do solo aumenta os níveis de temperatura, devido a radiação direta do sol, provocando ilhas de calor que acabam se formando por conta da inércia térmica e a certos materiais armazenados, como o concreto o metal, entre outros. As sombras podem ser construídas por meio de pergolados, mas o que realmente ajudaria a diminuir as ilhas de calor seriam árvores. Para isso, é necessário, por um lado, estudar quais são as oportunidades de plantio na urbanização, atendendo a critérios de distancias, respeito às construções, canteiros. Por outro lado, poderia haver um programa de conscientização da população com o lema: “plante uma árvore no seu quintal!”. Uma horta urbana ajudaria, sim, a dar destinos a terrenos baldios. Cria-se consciência ambiental, reforçam-se laços sociais e se favorece a permeabilidade do solo, mas não ajuda na sombra, pois o sol é um dos ingredientes básicos para que as plantações aconteçam. Desde o legado que nos deixaram os árabes, ou mesmo os romanos, existem múltiplas maneiras de armazenar água de chuva para diversos usos e funções na cidade. Basta trabalhar conscientemente, com necessidade de planejar os lugares de armazenamento e uso requerido para essa água. Vale salientar que esse tipo de sistema precisa ter gestão, acompanhamento e manutenção para conseguir um funcionamento adequado, sem o qual não funciona.

IVM – Se tivesse que dar dicas referentes à preservação do ambiente, aos moradores, para a hora de construir, quais seriam?

Robert de Paauw – Existem muitas dicas que podem ser realizadas pelos moradores. Algumas delas já estão acontecendo em várias áreas da cidade e são as apropriações dos espaços livres: praças, largos, canteiros centrais de vias etc. Elas estão sendo conquistados por moradores que dedicam maior carinho e preservação aos espaços livres. Esses espaços são autênticos pedaços de natureza remanescente do que, em algum momento, foi natureza silvestre, mas que foi sendo acomodada aos usos do ser humano. Mas a dica principal seria: plantem árvores e plantas ao redor de sua casa e cuide delas! Imagine o que seria se todos fizessem isso.

IVM – O que acha do método de trabalho do IVM – de equipes multidisciplinares de estudo como os que têm sido feitos?

Robert de Paauw – Uma reflexão territorial, como esta, deve envolver todos os atores na equipe. Por isso, acho fundamental que funcione uma transversalidade entre disciplinas para que as conclusões levem em conta todos os fatores para conseguir respostas coerentes e factíveis de serem implantadas.

IVM – Cite exemplos de projetos feitos em outros lugares do mundo que deram certo e podem ser aplicados no Jardim Ângela.

Robert de Paauw – No Jansana, de La Villa, de Paauw Arquitectes (JDVPD) estamos trabalhando em vários projetos de regeneração urbana no Brasil. Na Espanha, um dos conceitos que mais pesam nas nossas diretrizes é o de conectar bairros e territórios para conseguir maior conectividade entre as pessoas, mediante a requalificação urbana e ambiental, resgatando as potencialidades do local. Entre esses projetos estão: restauração do Morro da Rovira, em Barcelona; Parque das Lagoas do Norte, Teresina, na confluência entre os rios Poty e Parnaíba; Parque Sanfona, em Paraisópolis, São Paulo; Perímetro de Ação Integrada (PAI) Pirajussara 5, zona sul de São Paulo; e PAI Água Vermelha 2, zona leste de São Paulo.

 

Parque Sanfona

Parque Sanfona

 

IVM – Nesses exemplos que dá de trabalhos do seu escritório, o que está sendo feito e quais mudanças podem ser esperadas?

Robert de Paauw – As necessidades de progresso no Brasil têm resultado em planejamentos rodoviários que atendem grandes infraestruturas, como as viárias (viadutos, pontes, entre outros). Isso tem se realizado mediante imposições territoriais, sem considerar a integração das mesmas ao entorno, entendido pelas preexistências ambientais e das pessoas que ali moram. É preciso olhar para as infraestruturas de pequena escala, as que consideram a escala humana. Conjuntamente com elas, é fundamental a integração com a infraestrutura verde como articuladora de melhores condições de habitabilidade urbana. Estamos desenvolvendo vários projetos de regeneração urbana e ambiental em São Paulo e Teresina. São projetos em área de abrangência grandes, de 400 a 1 mil ha, em bairros onde existem comunidades, algumas em áreas de risco porque lidam com dinâmicas naturais reais como córregos e encostas.

IVM – Como isso acontece?

Robert de Paauw – É precisamente o entendimento dessas dinâmicas um dos pontos de partida em nossos trabalhos. A palavra-chave seria resgate. Resgate dessas realidades naturais existentes no local e de como consolidar o convívio da mesma com os bairros onde moram pessoas e com segurança, O segredo é ter a infraestrutura verde junto com as outras disciplinas de drenagem, geotécnica, urbanismo, paisagismo, esgoto e água. A infraestrutura verde trata de conexões, de consolidação de sistemas que tendem ao equilíbrio ambiental. Não é reproduzir natureza, mas trabalhar com as ferramentas que se tem, com ações de impactos de escalas muito diversas. Mas para isso é necessário reconhecimento exaustivo das áreas de trabalho, vistorias nos locais e levantamento de muitos dados. Só após esse conhecimento das realidades é que podem ser formuladas as estratégias, caso a caso. É assim que trabalhamos no escritório. Porque cada lugar é único e  cada morador também. Interpretar  qual é a realidade de cada lugar é o segredo do êxito. Não adianta impor desenho, necessidades, importar comportamentos de fora, o que conta é trabalhar com as sementes do lugar. As mudanças que nossos projetos almejam são as que protegem as origens, comportamentos e vontades dos moradores de cada um dos lugares onde atuamos. O nosso objetivo é realizar projetos que ajudem a reequilibrar a convivência entre os moradores e o entorno que os envolve e vice-versa.

Teresina/PI

Teresina/PI