No primeiro dia do Seminário Internacional Passagens Jardim Ângela, organizado pelo Instituto Cidade em Movimento (IVM), os participantes debateram no domingo (15), num hotel em São Paulo, as conclusões das pesquisas de campo realizadas nessa que é uma das regiões mais precárias da cidade.
Um dos resultados mais surpreendentes foi apurado pela arquiteta e urbanista espanhola Irene Quintáns, que pesquisou os caminhos de estudantes do ensino fundamental no trajeto casa-escola-casa, na área do Jardim Ângela (que inclui Jardim Nakamura, Morro do Índio, Menininha e outras localidades).
Ela entrevistou 300 crianças e adolescentes da 1º à 8ª série da EE Oscar Pereira Machado, no Jardim Nakamura, e descobriu que o maior medo dos alunos não é a violência endêmica numa das regiões ainda com altas taxas de homicídios, e sim o risco de atropelamentos na Estrada de M’Boi Mirim.
Segundo a pesquisa, 14% das respostas espontâneas dos estudantes apontaram o temor de atropelamento na estrada e ruas próximas como o principal fator que os levam a não querer ir a pé até a escola. Foi o índice mais alto de citações.
O resultado pareceu paradoxal aos pesquisadores do IVM, pois assinala uma mudança significativa na percepção de risco dos moradores do bairro que a ONU já apontou, em 1996, como o mais violento do mundo.
Embora as taxas de homicídio violento na região do Jardim Ângela tenham caído de 82 para cada grupo de 100 mil habitantes, em 2003, para 15/100 mil, em 2011, a Estrada de M’Boi Mirim segue sendo a terceira avenida com o maior número de atropelamentos de São Paulo.
TRANSPORTE ESCOLAR
Mais notável ainda foi a constatação de que esse é o principal motivo para um grande número de pré-adolescentes insistirem em usar o transporte escolar, mesmo morando perto da escola e tendo idade suficiente para andar sozinhos nas ruas.
Segundo Irene Quintáns, 30% dos estudantes entre 12 e 13 anos do Morro do Índio – bairro adjacente ao Jardim Ângela – evitam ir a pé até a EE Oscar Pereira Machado para não terem de atravessar a Estrada de M’Boi Mirim, embora a escola fique a apenas 1 km de suas casas.
Com 16 km de extensão, a estrada é uma das maiores avenidas de São Paulo. Começa no Jardim São Luís e corta mais de 50 bairros do extremo sul de São Paulo, até os limites do Jardim Ângela, perto da Represa de Guarapiranga.
Os números causaram polêmica no seminário deste domingo. Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, chegou a levantar a hipótese de que os resultados estivessem contaminados por algum tipo de “histeria materna”, vocalizada pelos alunos.
Irene respondeu que aquela parece ser a percepção real das crianças sobre os problemas do bairro, independentemente da ansiedade dos pais, já que as respostas foram espontâneas.
Outras questões também reforçaram a percepção de que os problemas de mobilidade estão no topo das preocupações dos moradores, neste momento, superando inclusive as de segurança pública.
Por exemplo, ao responderem à pergunta sobre o que menos gostam no trajeto casa-escola-casa, a maioria dos alunos apontou “o escadão” (há quatro grandes escadarias na região), com 12,2% de citações, seguido por “atravessar a rua” (10,7%) e “buracos” (5,8%).
A presença de “estranhos” (pessoas potencialmente ameaçadoras no trajeto) ficou em quarto lugar, com 4,8% das citações. Os “noias” (consumidores de drogas) tiveram apenas 1,4% das citações.
Outra informação da pesquisa mostra que o maior fator a inibir o uso de bicicletas por parte dos estudantes é que não há lugar para estacioná-las na escola.
Os resultados, segundo Irene, indicam que os maiores problemas apontados são relativamente fáceis de resolver. A pesquisa foi realizada durante quatro meses com alunos do Jardim Ângela, Morro do Índio e Jardim Nakamura.
SEMINÁRIO
O Seminário Internacional Jardim Ângela reúne cerca de 20 arquitetos e urbanistas brasileiros, franceses e espanhóis, entre os dias 15 e 17 em São Paulo. Faz parte do programa “Passagens”, do Instituto Cidade em Movimento.
Depois do início dos debates, no dia 15, os pesquisadores foram nesta segunda-feira (16) a até o Jardim Ângela, usando a rede de transporte coletivo da cidade.
Nesta terça (17), apresentarão suas conclusões a autoridades da Prefeitura paulistana a partir de 9h, no auditório do Centro Histórico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, prédio 1, no Centro de São Paulo. O eventoé aberto ao público.