Mudanças climáticas X mobilidade urbana: como fazer esse circulo ser virtuoso

No mundo todo, as mudanças climáticas podem ser percebidas no dia a dia, na rua, em centros urbanos ou em espaços mais “ao ar livre”. Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), grandes estiagens e temporadas de frio intenso, quase que sucessivas, fazem com que as cidades – e as pessoas – sofram muito. Esse é um fenômeno global e, por isso, poderá ser sentido tanto em grandes centros urbanos quanto em pequenas cidades. Mesmo que os primeiros normalmente gerem um impacto negativo maior no meio ambiente, comparativamente às pequenas aglomerações, as mudanças de clima podem interferir na mobilidade das pessoas. Mas como fazer com que os problemas sejam, pelo menos, mitigados?

Uma urbanização irregular, por exemplo, de áreas de mananciais, sem dúvida interfere sobremaneira na forma que a natureza interfere nos processos naturais. Um espaço em que antes havia muito verde, ocupado de maneira indisciplinada, causa mais ameaças que se pode imaginar, seja de aumento de poluição, falta de esgotamento e até na maneira como as pessoas se movimentam por esses espaços.

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Exemplo da priorização do espaço público para veículos. Av. Imirim, Zona Norte. Fonte: T. Marques, 2016

 

O uso de transportes mais sustentáveis é, com certeza (e sem trocadilho), um dos caminhos. Para Taícia Marques, arquiteta, urbanista, paisagista e coordenadora da segunda fase do Projeto Passagens Jardim Ângela, tudo é uma questão de quebra de paradigmas.

Segundo ela, as cidades brasileiras se desenvolveram de forma muito rápida e desordenada, priorizando o transporte veicular ao peatonal ou outro meio sustentável, como a bicicleta. “O aumento das áreas pavimentadas contribuiu, de forma geral, para a redução de áreas verdes e azuis (rios e outros cursos d’água), o que contribuiu para a formação de ilhas de calor urbanas (quando as temperaturas de áreas centrais são expressivamente mais altas que as áreas envoltórias à cidade) devido tanto à absorção e liberação de calor por esta superfícies como pela própria queima de combustíveis pelos veículos que circulam aí, e também foi uma das responsáveis pelo distanciamento dos pedestres dos espaços públicos.”

Portanto, conforme Taícia, estimular o uso de espaços públicos por meios não poluentes, além da integração com meios de transportes coletivos, é uma das opções mais lógicas para tentarmos reverter esse quadro de cidades “imóveis”, “sem vida” e poluídas para cidades onde os fluxos de pessoas sejam tais que possam retornar um contato direto entre o cidadão e o espaço urbano onde vive, reduzindo de forma expressiva a emissão de gases do efeito estufa e podendo gerar impactos positivos. Dentre as alternativas está por exemplo a questão das ciclovias.

“Quando São Paulo começou a investir na construção das ciclovias houve muita reclamação e ainda há. Mas, hoje, as ciclovias são uma realidade em todas as regiões da cidade tanto para lazer quanto para a mobilidade diária, por exemplo, para o trabalho, a escola. Acredito que o preconceito que se tinha com as bicicletas (“coisa de pobre”, como eram vistas) vem diminuindo e isso é importante não somente para a questão de mobilidade, mas para uma questão de equidade social e direto à cidade.”

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Exemplo área de pedestre sombreada e trecho de ciclovia segura. Av. Eng. Caetano Álvares, zona norte. Fonte: T. Marques, 2016

 

Para se ter ideia, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), após a ciclovia da Avenida Paulista, o número de bicicletas disparou quase 400%. Para ela, ainda há um sério embate entre carro, bicicleta e pedestre, mas é menos intenso que antes. Hoje, a cidade conta com cerca de 400 quilômetros de ciclovias ou ciclofaixas, mas pouco conectadas aos transportes de massa e aos bairros de moradia.

Taícia cita outro fato interessante que é notar o grande número de iniciativas cidadãs focadas na melhora da qualidade de vida a partir de ações que requalifiquem as áreas urbanas para usufruto das pessoas. Um outro exemplo que pode ajudar nesse circulo virtuoso é estimular o uso de espaços público a pé, como parklets (áreas contíguas às calçadas, onde são construídas estruturas a fim de criar espaços de lazer e convívio).

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Exemplo de iniciativa para requalificação de espaço público. Largo da Batata. Fonte: T. Marques, 2016

Há um modelo que começa a ser adotado na cidade, mas ainda de formato temporário. Nos largos do Paissandu e São Francisco, centro da cidade, a Prefeitura promoveu intervenções como faixas de pedestre novas, paraciclos, compartilhamento de bicicletas e banheiros públicos. Esses dois espaços também contam com bancos em muretas e canteiros, decks de madeira com guarda-sol e cadeiras de praia, equipamentos de lazer e ginástica, além de programação cultural que inclui feira gastronômica, shows, projeções de cinema e vídeo e karaokê. De acordo com a Prefeitura, a cidade conta com 55 parklets públicos ou privados.

Guardadas as devidas proporções, os espaços temporários de lazer de final de tarde/noite/madrugada e finais de semana, como o Elevado Costa e Silva (Minhocão) e Avenida Paulista, são bons exemplos de intervenções em favor dos pedestres e de transportes não poluentes, como bicicletas, que devem ser incentivados e ampliados – efetivamente.

Aliás, a Paulista, apesar de ser uma via com transporte poluente em profusão, é um exemplo de passagem interessante, com calçadas largas e respiros de verde (o Parque Trianon como modelo). O investimento em arborização viária é outra iniciativa importante, Árvores criam sombras, melhoram o microclima e a qualidade de vida de uma região, com pedestres “mais à vontade’, e, consequentemente, com melhores condições de mobilidade local.

O mal já está feito no mundo todo e os impactos das mudanças climáticas não deixarão de acontecer. Mas podemos mitigar o caos com soluções como essas, que passam pela mobilidade urbana e chegam a áreas mais verdes nas cidades. “Agora, devemos trabalhar para  no mínimo limitar as mudanças climáticas aonde estão e buscar garantir cidades mais saudáveis para as pessoas e integradas ao ambiente não construído, quiçá gerando impactos positivos para o meio ”, conclui.

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Exemplo Avenida Paulista aberta no domingo. Fonte: T. Marques, 2016