Favela da Paz: arte, cultura, sustentabilidade e transformação no Jardim Ângela

O espaço mistura um estúdio para bandas independentes, uma cozinha onde se prepara comida vegana e um laboratório para experimentação e produção de energia sustentável.  Claudio Miranda, fundador do Instituto Favela da Paz, mostra com entusiasmo como funciona o biogás originado de material orgânico que a própria comunidade traz para o local. “Nós produzimos biogás para seis famílias! Mas nossa ideia também é compartilhar este conhecimento: sem este compartilhamento nosso trabalho perde o sentido”, conta. Em um determinado momento, ele abre uma maleta de menos de 50 centímetros quadrados para mostrar que ali produz energia solar. “A gente conseguiu criar isso estudando e testando, olhem só!”

Esses “experimentos” e os projetos desenvolvidos na organização encantam o público presente: estão ali as equipes finalistas do Passagens Jardim Ângela, arquitetos e urbanistas de diferentes países, representantes do IVM Internacional e assessores da Secretaria Municipal de Serviços e Obras (SMSO). Foi o primeiro dia de workshop internacional do concurso, e a visita já trazia diferentes insights  de como usar o conhecimento dos moradores para criação de propostas em parceria com a comunidade local.


Jovens do Jardim Ângela durante o curso”Periferia em Cena”. Crédito: Favela da Paz


A HISTÓRIA
Com objetivos pautados na criação de projetos que tenham como lema a sustentabilidade, a cultura, a promoção da paz e o compartilhamento, Cláudio começou a plantar a semente do Favela da Paz há mais de 25 anos, quando recebia amigos do Jardim Ângela para fazer música a partir de latas de lixo, metal e baldes. Foi assim que nasceu a banda Poesia Samba Soul. Naquela época, a Organização das Nações Unidas havia considerado o bairro como o mais violento do mundo. Surgiu então a necessidade de superar a violência, criando uma alternativa positiva e mais atraente aos jovens da comunidade.

Claudio e a banda Poesia Samba Soul propõem então a criação de um centro cultural: no início, construíram um   pequeno estúdio para gravação de bandas locais. Os membros da banda também começaram a dar aulas de música, produção de vídeo e curso de design para os jovens. Mas, após uma experiência internacional nas comunidades de Tamera (Portugal) e São José do Apartado (Colômbia), Claudio então projetou o Favela da Paz.

Hoje, o instituto é um guarda-chuva de quase 20 projetos existentes, dentro dos pilares de Arte & Cultura, Ecologia, Espiritualidade, Tecnologia e Equidade Social. Um deles lota a Rua 2, em frente à organização, que dá acesso à passagem da Menininha. É o Samba na 2, que acontece no segundo domingo do mês, e traz àquela pequena rua um púbico de quase mil pessoas, samba de qualidade e gastronomia local.

Claudio Miranda, do Favela da Paz, durante o Samba na 2. Crédito: Divulgação 


NASCENTE DOS SONHOS

“Queremos poder carregar nossos destinos para onde quisermos e não sermos levados por ele. Por isso nosso lema é ‘todo ser pode ser o que quiser'”, explica Raphael Poesia, 23 anos, que desde os 15 é produtor de audiovisual. Seu contato com cinema começou justamente no Favela da Paz e a partir dessa experiência ele criou o “Nascente dos Sonhos” junto com a estudante de Psicologia, Agatha Liz – o projeto também faz parte do Instituto.  O objetivo é mostrar aos jovens que eles devem ser donos de seus próprios destinos. “Se ele quiser ser cabeleireiro, pedreiro, produtor de vídeo – como eu -, tudo bem! Mas queremos dar a oportunidade para estes adolescentes poderem escolher suas carreiras e viver delas”, conclui.

O projeto Nascente dos Sonhos se baseia no poder do coletivo: o sonho do outro também é meu sonho. Para Raphael, quando sonhamos nos conectamos com o que há de mais verdadeiro e acreditamos na realização de nossos desejos. Mas, em uma região como o Jardim Ângela, onde a vulnerabilidade social é alta e a autoestima é baixa, é fácil se distanciar de nosso propósito. Pensando nisso, o projeto desenvolveu a Jornada dos Sonhos, onde os participantes passam por uma metodologia formada por sete etapas: sonhar, refletir, compartilhar, planejar, agir, realizar e celebrar.

Raphael, além de parceiro local, é produtor de audiovisual do Passagens Jardim Ângela e vê com importância a realização efetiva do projeto. “Precisamos de propostas justamente para sensibilizar o governo e mostrar a ele que é responsabilidade dele revitalizar estes espaços. Eu, por exemplo, quero viver meus sonhos no bairro onde moro, mas viver nele com qualidade de vida”.