Diretor da FAU-Mackenzie defende prioridade aos “microelementos”

O professor Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é um evangelista daquelas soluções aparentemente menores, mas que fazem toda a diferença no ambiente das grandes metrópoles.

Às vésperas de uma nova campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, Caldana, evidentemente, não ignora a importância dos megadesafios paulistanos, como o transporte, a segurança, a saúde e a educação.

Mas defende um investimento vigoroso do futuro prefeito no que chama de “microelementos” que definem a qualidade de vida e a maturidade urbanística de uma cidade.

São eles: fiação, arborização, calçadas, anúncios (poluição visual) e sistemas de informação ao cidadão.

caldana-divulgação Universidade Mackenzie“Os prefeitos gastam seus mandatos para resolver problemas de milhões de reais e deixam em segundo plano programas que, por contraste, custam tostões”, disse ele, em entrevista ao Instituto Cidade em Movimento (IVM).

Ao mesmo tempo, o diretor da Mackenzie também não minimiza a relevância de algumas grandes intervenções urbanas, que poderiam mudar a cara da cidade.

É, por exemplo, um pregador sem concessões da derrubada do Minhocão (Elevado Costa e Silva) – segundo ele, uma aberração urbanística que nenhum paliativo, como o fechamento do trânsito aos domingos, poderá salvar.

Mas, para Caldana, chegou o momento de politizar a agenda  dos “microelementos”, deixando claro que eles são decisivos para conferir mais dignidade à vida do paulistano.

Citou o caso clássico das calçadas precárias: “Uma cidade com calçamento violentado não convida as pessoas a caminhar nas ruas; e um cidadão que não se apropria de sua cidade perde sua condição de cidadão: este é um problema político”.

Valter Luis Caldana Junior é arquiteto formado pela USP, com mestrado e doutorado nas áreas de planejamento urbano e regional.

É professor e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, onde também coordena o Laboratório de Projetos e Políticas Públicas.

Foi professor visitante do Instituto de Urbanismo de Paris (Universidade de Paris XII-Créteil/Marne La Vallé). É conselheiro do Instituto Cidade em Movimento (IVM) em São Paulo.

 

Principais trechos da entrevista:

CALÇADAS

IVM – Qual é o papel que as péssimas calçadas jogam na vida dos paulistanos?

Valter Caldana – O calçamento em São Paulo é um desastre. O resultado é que, se você não anda pela cidade, vai perdendo a sua liberdade, não conhece mais a sua cidade.

IVM – Como a avalia a atual legislação, que diz que o dono do imóvel é o responsável pelo seu trecho de calçada? Isso não estimula a balbúrdia que vemos nas ruas?

Caldana – O problema não é a balbúrdia, é a manutenção. Se as calçadas têm dois milhões de donos, não têm dono nenhum! A legislação está totalmente equivocada.

IVM – Como botar ordem nesse debate e arrumar as calçadas?

Caldana Se a Prefeitura pode gastar milhões para asfaltar as ruas, pode também assumir a responsabilidade de arrumar e conservar as calçadas – e lançar esse custo no IPTU.

 IVM – Qual seria o padrão mais adequado para as calçadas paulistanas?

Caldana Outro dia, eu conversava com um amigo, que conhece bem a França, e disse a ele: “reparou como em Paris tem até calçada de asfalto?” Ele não tinha reparado e se surpreendeu! Sim, às vezes, nos deixamos iludir com o canto de sereia. A questão não é um bom padrão. A questão é um bom projeto. A calçada pode ser cimento, de concreto, ou até de asfalto, desde que seja bem feita. Precisa ser lisa, ter boa aderência, com juntas de dilatação etc. A questão também não é o material empregado, é a conservação.

 

TRAVESSIAS

IVM – Outro item de sua agenda de “microelementos” são as travessias para os que andam a pé em São Paulo – passarelas e faixas de pedestres. O que acha delas?

Caldana São Paulo ainda é uma cidade da velha guarda, em que o protagonista é o automóvel. O cidadão que anda a pé deixou de ser protagonista há muito tempo. Tem sido assim nos últimos 40 anos, ou melhor, nos últimos 90 anos, desde Prestes Maia (prefeito paulistano duas vezes, de 1938 a 1945 e de 1961 a 1965, além de secretário municipal de Viação e Obras Públicas, de 1926 a 1930).

IVM – Por que os paulistanos tendem a evitar subir nas passarelas quando querem atravessar uma avenida ou rodovia?

Caldana Porque, para o pedestre, o desconforto é total. Para cada passarela bem desenhada em São Paulo, há 10 ou 15 muito ruins. Como a cidade é para o automóvel, tudo aquilo que é para o pedestre parece relegado ao segundo plano.

IVM – Pode citar exemplos de boas e más passarelas em São Paulo?

Caldana– Más: as da Avenida Eusébio Matoso (há duas: ao lado do Shopping Eldorado e às margens do Rio Pinheiros). Outra: a passarela sobre a Avenida Rebouças, em frente ao Incor. Boa: a passarela sobre a Avenida Pedro Álvares Cabral, que liga o Parque do Ibirapuera ao novo prédio do Museu de Arte Contemporânea da USP (antigo Detran).

 

FIAÇÃO

IVM – Por que São Paulo está tão atrasada no programa de aterramento da fiação aérea nos postes da cidade?

Caldana Se tivéssemos um prefeito que enfrentasse o problema da fiação, já teríamos tido ganhos há muito tempo.

IVM – Mas parece haver um consenso entre as autoridades públicas de que sai muito caro aterrar os milhares de quilômetros de fios da cidade…

Caldana O problema é que é a Eletropaulo que dita o preço do aterramento. Até havia pouco tempo, ela cobrava por km o dobro do preço do aterramento dos fios de Nova York!

 

EDUCAÇÃO

IVM – Como mudar essa cultura de privilégio ao automóvel que caracteriza a vida urbana paulistana?

Caldana Mudar o modelo urbano da cidade exige o trabalho de várias gestões. Mas é também uma tarefa da educação, que exigirá mais 15 ou 20 anos. Por exemplo, em 2011, na 9ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, nós propusemos que as escolas municipais de educação infantil (EMEIs) passassem a ensinar noções de urbanismo às crianças. Sobre como usar a cidade.

IVM – O que o sr. acha de ações da atual administração paulistana, como as ciclofaixas e o fechamento da Avenida Paulista aos domingos?

Caldana Concordo com elas. Fechar a Paulista e pintar as ruas de vermelho são ações práticas que têm um papel didático. Agora, não são soluções definitivas. São marcos. Nem são novidade. A população já fecha centenas de ruas paulistanas aos domingos.

IVM – O sr. acredita que as mudanças só ocorrerão nas futuras gerações?

Caldana Nossa sociedade ainda rejeita sair da zona de conforto. Praticamos aquilo que aprendemos. Por exemplo: aqueles que hoje têm acima de 50 anos só aprenderam noções de sustentabilidade ambiental quando já eram adultos formados. Já os que têm menos de 40 anos começaram a aprender sobre sustentabilidade na escola, quando eram crianças. Esse já é um conceito natural para elas. Confio muito na educação para fazermos uma cidade melhor.